Por Cristóvão Macedo Soares.
Assim como outros entes da Federação, o Estado do Rio de Janeiro instituiu e antecipou feriados, abrangendo o período de 26 de março a 4 de abril, como meio de enfrentamento da propagação do novo coronavírus.
A medida tomou de assalto os setores de recursos humanos das empresas em geral, e operadores do Direito do Trabalho se apressaram em orientações sobre como lidar com o eventual trabalho nesses feriados, aventando, em suma, o pagamento em dobro pelos dias trabalhados, inclusive em home office, estabelecimento de acordos de compensação e utilização de bancos de horas.
Mas existe mesmo a alternativa, no citado período, de trabalho presencial em atividades econômicas não essenciais ou não autorizadas ao funcionamento? Esses feriados são legítimos e produzem efeitos jurídicos como autênticos feriados?
Parece-me ser esta a discussão basilar.
De plano, não há dúvida sobre ser a decretação de feriados tema de Direito do Trabalho, pois impacta nas relações empregatícias, com consequências remuneratórias diretas e implicando o fechamento de estabelecimentos.
Por consequência, é matéria de competência privativa da União, a teor do art. 22, I, da Constituição da República. A propósito, o Supremo Tribunal Federal, em junho de 2020, declarou a inconstitucionalidade da Lei Estadual 8.174/18, que instituía, no Rio de Janeiro, o feriado do Dia das Mães, considerando, justamente, a invasão de competência e, ainda, a extrapolação dos limites da competência delegada pela União a Estados e Municípios, disciplinada na lei 9.093/1995.
A excepcionalidade da pandemia não justifica a “flexibilização” do citado preceito constitucional, para a criação e antecipação indiscriminada de feriados, uma vez que a própria Constituição Federal estabelece, de forma específica, no seu art. 23, a competência concorrente da União, Estados e Municípios para, de acordo com as suas necessidades, “cuidar da saúde e da assistência pública” e “ proteger o meio ambiente”, além de reservar aos Estados o exercício de competências que não lhes sejam vedadas (§ 1º, do art. 25) e, aos Municípios, “legislar sobre assuntos de interesse local” (art. 30, I).
O Município do Rio de Janeiro, no estrito exercício da sua competência, dando exemplo e atestando o que foi acima exposto, não criou ou antecipou feriados a pretexto de conter a pandemia. Decretou medidas emergenciais de natureza restritiva, especificando as atividades econômicas autorizadas ao funcionamento, dada a sua essencialidade, proibindo ou suspendendo as demais atividades e, em absoluta harmonia com a natureza e o objetivo das restrições implementadas, recomendando expressamente, em qualquer hipótese, o teletrabalho ou o trabalho remoto (Decreto Rio nº 48644 de 22/03/2021).
Com efeito, se a intenção anunciada é a de limitar deslocamentos em espaços públicos e prevenir aglomerações, a criação de feriados fictícios é manifestamente desarmônica com aquele propósito, como aliás se verifica na prática.
O Estado do Rio de Janeiro, e outros entes federativos, talvez receosos em assumir, formalmente, a instituição de normas restritivas de caráter sanitário, embarcaram no subterfúgio dos feriados, trazendo mais insegurança jurídica e diminuindo a eficácia das medidas.
É flagrante a incongruência entre a Lei Estadual nº 9224, de 24/03/2021, que cria e antecipa feriados e o Decreto Estadual nº 47540, de mesma data, editado com o fim de regulamentá-la.
O Decreto, que prescindia da Lei, dispõe “sobre medidas de enfrentamento da propagação do novo coronavírus (COVID-19), em decorrência da situação de emergência em saúde”, trazendo nas suas premissas (os “Considerandos“) justificativas exclusivamente de ordem sanitária, a invocar, sobretudo, a necessidade do Estado de aumentar a sua capacidade para o atendimento de demandas por leitos hospitalares.
Nada, absolutamente nada que justifique a criação e antecipação de feriados, previstas na Lei. A desconexão entre as medidas impostas pela Lei e as causas discriminadas no Decreto Estadual é tanta, que entre os feriados inventados e remanejados, foram esquecidos os sábados, dias 27/03 e 03/04, que, para os efeitos da legislação trabalhista, são dias úteis.
Ocorre que, a par da sua inconstitucionalidade originária – o pecado original decorrente da invasão da competência privativa da União em tema de Direito de Trabalho -, a Lei Estadual, conjugada com o Decreto, apresenta evidente desvio de finalidade.
Não basta dizer que é. É preciso, de verdade, ser. Os feriados são dias de não trabalho, destinados a festejos, homenagens, cultos, etc; podem ser trabalhados, desde que pagos em dobro, ou compensados com folgas, mediante acordo individual ou norma coletiva. Portanto, não é feriado, a despeito do homônimo a ele atribuído, o dia não trabalhado por força de norma de caráter sanitário, não trabalhista, que impõe medidas de isolamento, voltadas, não a festejos, cortejos ou comemorações, e sim à permanência das pessoas em suas residências, seja em teletrabalho seja sem trabalho, salvo aquelas envolvidas com atividades essenciais ou de suporte direto a essas atividades.
Nesse sentido, a conclusão primordial, a meu juízo, é a de que as datas apontadas na Lei Estadual não devem ser tidas como autênticos feriados, havendo, de fato, em regra, uma proibição do trabalho presencial.
A questão trabalhista, acerca do pagamento em dobro pelo eventual trabalho não essencial no feriado fictício, é, certamente, a de menor relevância, sobressaindo o risco de descumprimento de normas voltadas para a saúde pública, neste momento de crise pandêmica em alto nível, com sanções que podem ser de natureza até mesmo penal (Decreto Municipal nº 48644/21. art. 8º, § 4º, Código Penal, art. 268), civil e administrativa (Decreto Municipal nº 48644/21. art. 8º, § 9º e Decreto Estadual nº 47.540/21, art. 25).
A insegurança jurídica, sob a ótica estrita do Direito de Trabalho, remanescerá mesmo para quem pagar em dobro pelo suposto feriado trabalhado, na medida em que a inconstitucionalidade da Lei Estadual, por manejar matéria trabalhista, implicará risco ante a não concessão dos feriados nas suas datas reais.
Sendo incontroverso que as medidas de restrição, referentes ao período de 26/03 até 04/04, são de ordem sanitária, visando a conter o aclive da pandemia, limitando deslocamentos e aglomerações, o caminho correto e seguro é aplicar as regras do Decreto Municipal do RJ, de 23/03/2021, adotando interpretação conforme com a Constituição Federal e com a própria ratio do Decreto Estadual, ou seja, não admitindo o trabalho presencial, senão em atividades autorizadas a essa lei estadual que saiu tava falando para os proprietaries pagarem o dobro para os funcionários, já que era feriado e isso afeta o funcionário e o patrão se funcionamento ou inequivocamente essenciais (nelas incluídos os seus serviços de suporte direto), e privilegiando o home office, para qualquer atividade, em relação ao qual incidirá a remuneração da hora normal de trabalho, sem acréscimo.