Por Cristóvão Macedo Soares e Nelson Guimarães
A pandemia COVID-19, provocada pela propagação do novo coronavírus, que motivou a decretação pelo Congresso Nacional, no último dia 20 de março, de estado de calamidade pública em nosso país, fez surgir, compreensivelmente, inúmeras incertezas a respeito das consequências nefastas da incidência da doença sobre o mundo dos negócios e, por conseguinte, sobre as relações de trabalho.
Dúvidas dos mais variados matizes vêm surgindo, minuto a minuto, na esteira da profusão de notícias que anunciam um alargamento do tempo recomendado pelas autoridades sanitárias do Brasil para o chamado isolamento social, circunstância que implica literalmente, para vários segmentos da economia nacional, o fechamento de empresas, ainda que de forma temporária.
Por outro lado, para diversas outras atividades econômicas, a vida seguirá seu curso, ainda que não num nível de absoluta normalidade, com empresas que continuarão exercendo suas atividades econômicas.
O intuito do presente artigo, provocado pela proliferação de posicionamentos demasiadamente severos e inflexíveis, é abordar, neste cenário de inconteste gravidade, a questão relativa ao chamado “direito de resistência” do empregado. Vale dizer, o eventual direito que o empregado teria de recusar-se a comparecer em seu local de trabalho, num cenário como o que hoje vivenciamos, e, ainda, diante da insistência de seu empregador no comparecimento presencial, o de declarar a rescisão indireta do contrato de trabalho, na forma prevista no art. 483, c, da Consolidação das Leis do Trabalho.
Em princípio, não há justificativa para a rescisão indireta, ao menos não nas hipóteses em que o empregador, cuja atividade não tenha sofrido restrição especial por parte do Poder Público, oferece ao empregado condições para o exercício presencial do trabalho, adotando as medidas preventivas de higienização e de não concentração de grupos de pessoas num mesmo espaço físico.
Não obstante, salvo em serviços essenciais, assim enquadrados por força de lei ou de atos normativos específicos, é razoável reconhecer que o empregado, diante do declarado estado de calamidade pública e do reconhecido motivo de força maior, possa, mesmo assintomático, recusar o trabalho presencial face a natureza especialíssima do quadro de pandemia, no qual o risco , mesmo mitigado, não é passível de eliminação, assumindo, de acordo com as opiniões especializadas, nível mais elevado fora do isolamento social, atualmente recomendado pelas autoridades sanitárias à toda a população, com tendências cada vez mais supressivas (“isolamento horizontal”).
É razoável, então, que a recusa embasada no estado de calamidade pública não acarrete punição para o empregado, desde que justifique, em contrapartida à ausência de trabalho, que o empregador considere suspenso o contrato, principalmente se a atividade demandada só puder ser exercida presencialmente.
Em outros termos, a recusa ao trabalho presencial, mesmo não pertencendo o empregado ao “grupo maior de risco”, se não é um ato de insubordinação – e consideramos decididamente que não é – e se também não caracteriza, necessária e excepcionalmente, uma manifestação de vontade do trabalhador de rescindir o contrato, o que estaria inserido na sua liberdade de não trabalhar, corresponderá, ao menos, a uma iniciativa do empregado de oferecer ao empregador a alternativa de suspensão dos direitos e obrigações inerentes ao contrato, nos moldes do art. 2º, da MP 927/2020.
O motivo de força maior em curso no planeta resulta em consequências para os dois lados de uma relação de emprego, que se igualam no objetivo comum de sobrevivência, levando-se em conta que, na mesma medida em que deve ser respeitada a justificada precaução do trabalhador com a sua saúde, não se pode atribuir ao empregador a obrigação de, sem condições de exercer a sua atividade e obter a receita dela decorrente, manter efetivo um contrato de trabalho, ressaltando-se que a hipótese cogitada não enseja o abono de faltas previsto no parágrafo terceiro do art. 3º da Lei 13.979/20, pois nela não estão presentes os sintomas da doença e nem suspeita de contágio.
A questão, portanto, envolve uma equação complexa.
Ainda que, em termos rigorosamente cartesianos, não se possa descartar que uma eventual insistência do empregador em exigir do empregado um trabalho presencial, por este recusado em razão da pandemia e das recomendações de ordem geral das autoridades sanitárias, em atividade não essencial, possa, em tese, respaldar uma declaração de rescisão indireta, não sem boa margem de discussão, pois o “ mal considerável “ ao qual estará exposto o empregado, o vírus, é externo e não necessariamente vinculado ao ambiente empresarial, essa possibilidade não guarda a devida compatibilidade com o equilíbrio e a razoabilidade que devem nortear as relações de trabalho nas condições presentes, tendo em vista que a rescisão contratual, direta ou indireta, motivada ou imotivada, é o que justamente se quer evitar no atual estado de coisas.
O propósito maior e comum das partes deve ser o de encontrar os caminhos possíveis para a manutenção dos empregos e preservar a subsistência do trabalhador, em lugar de provocar a judicializacão de conflitos e de controvérsias que se perderão no tempo, em prejuízo de todos os atores sociais.
A conclusão, portanto, é a de que o momento pede uma trégua, em privilégio de um esforço comum que coloque em segundo plano a formulação de conflitos e a defesa de supostos direitos, cujo exercício seria inócuo e levaria a um nada. Afinal, mesmo admitindo-se ser legítimo – e compatível com o interesse no emprego – que o trabalhador se submeta, contra os interesses do empregador, à recomendação geral de isolamento, que ganho teria ele, na hipótese aqui tratada e na dramática realidade atual, se acaso exercesse um pretenso e discutível direito à rescisão indireta?
Não haverá saída sem equilíbrio e positiva intervenção Estatal, nas mais diversas situações existentes.